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Ditadura Cultural

Estava recentemente escutando os noticiários radiofônicos da minha pequenina cidade e me deparei com certa “autoridade cultural” tratando sobre festividades regionais e tradicionais. Fiquei estarrecido ao ouvi-lo tecer comentários discriminatórios ao estilo musical conhecido no nordeste como “forró universitário”.

De pronto, me vi no Reino Desunido de El Hadj Mama Africa ao rufar dos tambores para o anúncio de novo decreto cultural extravagante.

Tal imperador, em pleno palácio de “Mama África”, decretou que seus súditos não poderiam escutar o ritmo musical konkomba, pelo simples fato de que os instrumentos de percussão não detinham pele de animais e sim sintética, de plástico.

O referido ato institucional é muito parecido com os atos ditatoriais levados a efeito em diversos países onde, sob manto maligno da intolerância, derramou-se momentos de tristeza, com restrição aos mais diversos estilos de arte.

Esqueceu o Rei El Hadj Mama Africa que, com a cultura, não se brinca, não se castra, não se restringe, já que a cultura é coisa de Deus e coisa do povo.

O reizinho de plantão olvidou que, em certo momento funesto, em um País Tropical, nem as forças ocultas conseguiram impedir a difusão das linhas de Neruda, das palavras doces de Mandela, bem assim, os textos e composições de Wilson Simonal e Chico Buarque de Holanda.

É preciso lembrar que nem mesmo a ditadura miltar foi forte o bastante para impedir que Raul Seixas, Gilberto Gil, Geral Vandré, Taiguara, Jair Rodrigues e tantos outros destilasem seu estilo musical próprio e revolucionário, não que todos os admirassem no primeiro momento, mas revolução musical é assim mesmo. A cultura é lugar para diversidade e multiplicidade de estilos.

Lendo engano, Ditador!

Assim como outros decretos ditatoriais, estéreis e irracionais, esse do Rei, El Hadj Mama Africa, não pegou e caiu em desuso, pois o povo continuou a escutar e tocar o ritmo konkomba, mesmo que escondidos em seus lares e em festas familiares. Na verdade, o reizinho não lembrou ser impossível obrigar homens e mulheres a escutarem determinado estilo musical, não que todos gostem de ritmo Konkomba, mas limitar e restringir sua divusão é, no mínimo, irracional.

Aqui, como lá naquele reino hipotético, sempre nos deparamos com irracionais culturais que tentam limitar o ilimitável. A cultura não pode sofrer limitação, nem pode sofre restrição, pois não há cela, prisão ou presídio que restrinja e balize a liberdade de expressão e musical.

É sempre bom lembrar as palavras de André Malraux de que "a cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, através dos séculos, capacitou o homem a ser menos escravizado."

Vale a pena transcrever música do Geraldo Azevedo (Canção de Despedida) que traduz o sentimento daqueles que foram exilados pela ditadura:

"Já vou embora/ Mas sei que vou voltar/ Amor não chora/ Se eu volto é pra ficar/ Amor não chora/ Que a hora é de deixar/ O amor de agora/ Pra sempre ele ficar
/Eu quis ficar aqui/ Mas não podia/ O meu caminho a ti/ Não conduzia/ Um rei mal coroado/ Não queria/ O amor em seu reinado/ Pois sabia/ Não ia ser amado/
Amor não chora/ Eu volto um dia/ O rei velho e cansado/ Já morria/ Perdido em seu reinado/ Sem maria/ Quando me despedia/ No meu canto lhe dizia."


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